Sunday 3 May 2009

Por onde começar? / Where to start?

Por onde começar? A necessidade de escrever faz-se gritante neste momento. Uma brisa fresca, quase fria, acaricia o agradável clima ensolarado lá fora da janela. Palavras são vãs, distam da verdade, são ferramentas sociais, não conseguem se aproximar da profundidade da existência contemplada no silêncio. Contudo, a inquietação humana detém o mergulho na essência, na escuridão do vazio. Se o homem é um ser social, existe um instinto que impulsiona à comunhão com os outros da espécie, e é aí que as palavras são úteis e até necessárias no atual estágio da vida humana. Porém a vida social, especialmente dentro do modo de vida atual, é oposta à profundidade da essência, visto que alimenta a inquietação. O isolamento e a concentração como prioridades, então, e envolver-se socialmente apenas de maneira superficial? Não. Atingir a profundidade da essência dentro do convívio social, superando a dualidade dos opostos. Prossigamos, passo a passo.



Where to start? The necessity of writing is overwhelming at this moment. A fresh breeze, almost cold, caresses the pleasing sunny weather outside the window. Words are vain, far from truth, are social tools, they can’t come near the depth of existence contemplated in silence. However, human disquietude halts diving in the essence, in the darkness of emptiness. If man is a social being, there is an instinct that impels him towards others of the species, and it is there where words are useful and even necessary in the present stage of human life. But social life, specially within the present way of life, is contrary to the depth of essence, since it feeds disquietude. Isolation and concentration as priorities, then, and to engage socially only in a superficial manner? No. To reach the depth of existence within social conviviality, surpassing the duality of contraries. Let us proceed, step by step.

Friday 1 May 2009

reclusão extrema/extreme reclusiveness [Privacidade/Privacy 2]

[...] reclusão extrema — tão completamente em desacordo com a lógica de nossa própria época, quando até o conceito de privacidade é construído a partir de materiais de circulação pública. Agora é quase impossível sermos nós mesmos exceto em termos do mundo.

Ballard, J. G., A exibição de atrocidades (1969), notas para a edição de 1993.

Ao reverter o sentido da sociedade individualista (que geralmente caracteriza a modernidade), Ballard ambiguamente acaba refletindo o próprio individualismo, pelo simples fato de que em uma sociedade não-individualista, de modo geral, não se pensaria na privacidade.



[...]extreme reclusiveness — so completely at odds with the logic of our own age, when even the concept of privacy is constructed from publicly circulating materials. It is now almost impossible to be ourselves except on the world’s terms.

J. G. Ballard , The Atrocity Exhibition (1969), notes to the 1993 edition.

Upon reverting the sense of the individualist society (that generally characterizes modernity), Ballard ambiguously ends up reflecting the very individualism, for the simple fact that in a non-individualist society, generally, one wouldn’t think in privacy.

Melancolia/Melancholy

A ABSTRAÇÃO DA MELANCOLIA PELO AUTOR
Διαλογικως [Grego: Diálogos]

Quando fico cismando completamente só,
Pensando em coisas diversas em antecipação,
Quando construo castelos no ar,
Destituído de pesar e destituído de medo,
Deleitando-me com doces quimeras,
Penso que o tempo corre muito rápido.

Todas as minhas alegrias em comparação a isto são tolices,
Nada tão doce quanto a melancolia.

Quando me deito acordado completamente só,
Recontando o que fiz errado,
Meus pensamento sobre mim então tiranizam,
Medo e pesar me surpreendem,
Quer eu me demore, parado, ou siga,
Penso que o tempo passa muito devagar.

Todas as minhas mágoas em comparação a isto são festejos,
Nada tão triste quanto a melancolia.

Quando para mim mesmo atuo e sorrio,
Com pensamentos agradáveis engano o tempo,
Ao lado de um córrego ou de mata tão verde,
Não ouvido, não procurado, ou não visto,
Mil prazeres me abençoam,
E coroam minha alma com felicidade.

Todas as minhas alegrias além dessas são tolices,
Nada tão doce quanto a melancolia.

Quando me deito, sento ou ando sozinho,
Suspiro, aflijo-me, emitindo grande lamento,
Em um bosque escuro, ou gabinete enfadonho,
Com dissabores e Fúrias então,
Mil angústias de uma vez
Meu pesado coração e alma ocultam.

Todas as minhas mágoas em comparação a isto são festejos,
Nenhuma tão azeda quanto a melancolia.

Penso que ouço, penso que vejo,
Doce música, maravilhosa melodia,
Vilas, palácios e belas cidades;
Agora aqui, depois lá; o mundo é meu,
Raras belezas, damas galantes,
O que quer que seja adorável ou divino.

Todas as outras alegrias comparadas a isto são tolices,
Nenhuma tão doce quanto a melancolia.

Penso que ouço, penso que vejo,
Fantasmas, duendes, demônios; minha fantasia
Apresenta mil formas feias,
Ursos sem cabeça, homens negros, e macacos,
Gritarias dolorosas, e visões atemorizantes,
Minha alma triste e lúgubre amedronta.

Todas as minhas mágoas em comparação a isto são festejos,
Nenhuma tão amaldiçoada quanto a melancolia.

Penso que cortejo, penso que beijo,
Penso que agora abraço minha menina.
Ó dias abençoados, Ó doce contento,
No Paraíso passo meu tempo.
Tais pensamentos podem ainda mover minha fantasia,
Então que eu sempre esteja enamorado.

Todas as outras alegrias comparadas a isto são tolices,
Nada tão doce quanto a melancolia.

Quando reconto os muitos temores do amor,
Meus suspiros e lágrimas, minhas noites em claro,
Meus acessos de ciúmes; Ó meu duro destino
Agora me arrependo, mas é tarde demais.
Nenhum tormento é tão ruim quanto o amor,
Tão amargo que minha alma possa provar.

Todas as minhas mágoas em comparação a isto são festejos,
Nada tão áspero quanto a melancolia.

Amigos e companheiros vão embora,
É meu desejo ficar sozinho;
Nunca bem senão quando meus pensamentos e eu
Dominam na privacidade.
Nenhuma gema, nenhum tesouro comparável a este,
É meu deleite, minha coroa, meu êxtase beatífico.

Todas as minhas alegrias em comparação a isto são tolices,
Nada tão doce quanto a melancolia.

É um flagelo só meu estar sozinho,
Sou uma besta, um monstro crescido,
Não desejo luz nem companhia,
Encontro agora minha angústia.
A cena mudou, minhas alegrias se foram,
Medo, descontento e pesares chegam.

Todas as minhas mágoas em comparação a isto são tolices,
Nada tão brutal quanto a melancolia.

Não troco de vida com rei algum,
Eu arrebatado estou: pode o mundo trazer
Mais alegria, do que ainda rir e sorrir,
Em agradáveis brinquedos enganar o tempo?
Não. Ó não me perturbe,
Tão doce contento sinto e vejo.

Todas as minhas alegrias em comparação a isto são tolices,
Nenhuma tão divina quanto a melancolia.

Troco meu estado com qualquer desgraçado,
Que tu podes da cadeia ou da estrumeira pegar;
A cura passada da minha dor, um outro inferno,
Não posso ficar neste tormento!
Agora desesperado odeio a minha vida,
Empresta-me uma forca ou uma faca;

Todas as minhas mágoas em comparação a isto são festejos,
Nada tão maldito quanto a melancolia.

Richard Burton, A anatomia da melancolia (1621)



THE AUTHOR'S ABSTRACT OF MELANCHOLY
Διαλογικως [Greek: Dialogos]

When I go musing all alone
Thinking of divers things fore-known.
When I build castles in the air,
Void of sorrow and void of fear,
Pleasing myself with phantasms sweet,
Methinks the time runs very fleet.

All my joys to this are folly,
Naught so sweet as melancholy.

When I lie waking all alone,
Recounting what I have ill done,
My thoughts on me then tyrannise,
Fear and sorrow me surprise,
Whether I tarry still or go,
Methinks the time moves very slow.

All my griefs to this are jolly,
Naught so mad as melancholy.

When to myself I act and smile,
With pleasing thoughts the time beguile,
By a brook side or wood so green,
Unheard, unsought for, or unseen,
A thousand pleasures do me bless,
And crown my soul with happiness.

All my joys besides are folly,
None so sweet as melancholy.

When I lie, sit, or walk alone,
I sigh, I grieve, making great moan,
In a dark grove, or irksome den,
With discontents and Furies then,
A thousand miseries at once
Mine heavy heart and soul ensconce,

All my griefs to this are jolly,
None so sour as melancholy.

Methinks I hear, methinks I see,
Sweet music, wondrous melody,
Towns, palaces, and cities fine;
Here now, then there; the world is mine,
Rare beauties, gallant ladies shine,
Whate'er is lovely or divine.

All other joys to this are folly,
None so sweet as melancholy.

Methinks I hear, methinks I see
Ghosts, goblins, fiends; my phantasy
Presents a thousand ugly shapes,
Headless bears, black men, and apes,
Doleful outcries, and fearful sights,
My sad and dismal soul affrights.

All my griefs to this are jolly,
None so damn'd as melancholy.

Methinks I court, methinks I kiss,
Methinks I now embrace my mistress.
O blessed days, O sweet content,
In Paradise my time is spent.
Such thoughts may still my fancy move,
So may I ever be in love.

All my joys to this are folly,
Naught so sweet as melancholy.

When I recount love's many frights,
My sighs and tears, my waking nights,
My jealous fits; O mine hard fate
I now repent, but 'tis too late.
No torment is so bad as love,
So bitter to my soul can prove.

All my griefs to this are jolly,
Naught so harsh as melancholy.

Friends and companions get you gone,
’Tis my desire to be alone;
Ne’er well but when my thoughts and I
Do domineer in privacy.
No Gem, no treasure like to this,
’Tis my delight, my crown, my bliss.

All my joys to this are folly,
Naught so sweet as melancholy.

’Tis my sole plague to be alone,
I am a beast, a monster grown,
I will no light nor company,
I find it now my misery.
The scene is turn’d, my joys are gone,
Fear, discontent, and sorrows come.

All my griefs to this are jolly,
Naught so fierce as melancholy.

I’ll not change life with any king,
I ravisht am: can the world bring
More joy, than still to laugh and smile,
In pleasant toys time to beguile?
Do not, O do not trouble me,
So sweet content I feel and see.

All my joys to this are folly,
None so divine as melancholy.

I’ll change my state with any wretch,
Thou canst from gaol or dunghill fetch;
My pain’s past cure, another hell,
I may not in this torment dwell!
Now desperate I hate my life,
Lend me a halter or a knife;

All my griefs to this are jolly,
Naught so damn'd as melancholy.

Richard Burton, The Anatomy of Melancholy (1621).