Friday 18 July 2014

Além das portas da percepção / Beyond the doors of perception

Na ciência hoje estamos testemunhando uma mudança geral do pressuposto de que a natureza fundamental da matéria pode ser considerada do ponto de vista da substância (partículas, quanta) para o conceito de que a natureza fundamental do mundo material é conhecível apenas por meio de seus padrões subjacentes de formas de onda.

Tanto nossos órgãos de percepção quanto o mundo fenomênico que percebemos parecem ser melhor entendidos como sistemas de padrão puro, ou como estruturas geométricas de forma e proporção. Portanto, quando muitas culturas antigas escolheram examinar a realidade por meio de metáforas de geometria e música (a música sendo o estudo das leis proporcionais de frequência sonora), elas já estavam muito perto da posição da nossa ciência mais contemporânea.

O professor Amstutz do Instituto Mineralógico da Universidade de Heidelberg disse recentemente:

As ondas entrelaçadas da matéria são espaçadas em intervalos correspondentes aos trastes em uma harpa ou guitarra com sequências análogas de sobretons que surgem a partir de cada fundamental. A ciência da harmonia musical é nesses termos praticamente idêntica à ciência da simetria em cristais.

O ponto de vista da moderna teoria de campo de força e mecânica de onda corresponde à antiga visão geométrica-harmônica da ordem universal como sendo uma configuração entretecida de padrões de onda. Bertrand Russell, que começou a ver o valor profundo da base musical e geométrica para o que agora chamamos de matemática pitagórica e teoria dos números, também apoiava essa visão em A análise da matéria: “O que percebemos como várias qualidades da matéria”, ele disse, “são na verdade diferenças em periodicidade”.

Na biologia, o papel fundamental da geometria e proporção torna-se ainda mais evidente quando consideramos que momento a momento, ano a ano, éon a éon, cada átomo de cada molécula de substância tanto viva quanto orgânica está sendo alterado e substituído. Cada um de nós dentro dos próximos cinco a sete anos terá um corpo completamente novo, até o último átomo. Em meio a essa constância de mudança, onde podemos encontrar a base para tudo que parece ser consistente e estável? Biologicamente podemos examinar nossas ideias de codificação genética como veículo de replicação e continuidade, mas essa codificação não reside nos átomos particulares (ou carbono, hidrogênio, oxigênio e nitrogênio) dos quais a substância do gene, DNA, é composta; estes também estão sujeitos à mudança e substituição contínuas. Assim, o portador da continuidade não é somente a composição molecular do DNA, mas também sua forma de hélice. Essa forma é responsável pelo poder de replicação do DNA. A hélice, que é um tipo especial do grupo de espirais regulares, resulta de conjuntos de proporções geométricas fixas, como veremos com mais detalhe adiante. Essas proporções podem ser entendidas como existentes a priori, sem qualquer contraparte material, como relações abstratas, geométricas. A arquitetura de existência corpórea é determinada por um mundo imaterial, invisível, de pura forma e geometria.

A biologia moderna cada vez mais reconhece a importância da forma e das relações conectivas das poucas substâncias que compreendem o corpo molecular dos organismos vivos. As plantas, por exemplo, podem executar o processo de fotossíntese somente porque o carbono, hidrogênio, nitrogênio e magnésio da molécula de clorofila são arranjados em uma padrão simétrico duodécuplo complexo, assim como o de uma margarida. Parece que os mesmos constituintes em qualquer outro arranjo não podem transformar a energia radiante da luz em substância de vida. No pensamento mitológico, o doze ocorre muitas vezes como o número da mãe universal da vida, e assim esse símbolo duodécuplo é preciso até o nível molecular.

A especialização de células no tecido do corpo é determinada em parte pela posição espacial de cada célula com relação às outras células em sua região, bem como por uma imagem informacional da totalidade à qual ela pertence. Essa consciência espacial em um nível celular pode ser pensada como a geometria inata da vida.

Todos os nossos órgãos dos sentidos funcionam em resposta às diferenças geométricas ou proporcionais – não quantitativas – inerentes aos estímulos que recebem. Por exemplo, quando cheiramos uma rosa não estamos respondendo às substâncias químicas de seu perfume, mas sim à geometria de sua construção molecular. Quer dizer, qualquer substância química que esteja unida na mesma geometria que a da rosa terá um cheiro doce como ela. Similarmente, não ouvimos diferenças quantitativas simples em frequências de ondas sonoras, mas sim as diferenças logarítmicas, proporcionais, entre as frequências, a expansão logarítmica sendo a base da geometria de espirais.

Nosso sentido visual difere de nosso sentido de toque somente porque os nervos da retina não estão sintonizados na mesma faixa de frequências em que estão os nervos embutidos em nossa pele. Se nossas sensibilidades táteis ou hápticas fossem responsivas às mesmas frequências que nossos olhos, então todos os objetos materiais seriam percebidos como sendo tão etéreos quanto projeções de luz e sombra. Nossas faculdades perceptuais diferentes tais como visão, audição, tato e olfato são resultado então de várias reduções proporcionadas de um vasto espectro de frequências vibratórias. Podemos entender essas relações proporcionais como um tipo de geometria da percepção.

Com nossa organização corpórea em cinco ou mais portas perceptuais, há aparentemente pouco em comum entre espaço visual, espaço auditivo e espaço háptico, e parece haver ainda menos conexão entre esses espaços fisiológicos e o espaço métrico ou geométrico abstrato, puro, para não mencionar aqui a consciência diferencial do espaço psicológico. Contudo todos esses modos de ser espacial convergem no mente-corpo humano. Dentro da consciência humana está a habilidade única de perceber a transparência entre relações absolutas, permanentes, contidas nas formas insubstanciais de uma ordem geométrica, e as formas transitórias, mutantes, de nosso mundo factual. O conteúdo de nossa experiência resulta de uma arquitetura imaterial, abstrata, geométrica que é composta de ondas harmônicas de energia, nós de relacionalidade, formas melódicas surgindo do reino eterno da proporção geométrica.



In science today we are witnessing a general shift away from the assumption that the fundamental nature of matter can be considered from the point of view of substance (particles, quanta) to the concept that the fundamental nature of the material world is knowable only through its underlying patterns of wave forms.

Both our organs of perception and the phenomenal world we perceive seem to be best understood as systems of pure pattern, or as geometric structures of form and proportion. Therefore, when many ancient cultures chose to examine reality through the metaphors of geometry and music (music being the study of the proportional laws of sound frequency), they were already very close to the position of our most contemporary science.

Professor Amstutz of the Mineralogical Institute at the University of Heidelberg recently said:

Matter’s latticed waves are spaced at intervals corresponding to the frets on a harp or guitar with analogous sequences of overtones arising from each fundamental. The science of musical harmony is in these terms practically identical with the science of symmetry in crystals.

The point of view of modern force-field theory and wave mechanics corresponds to the ancient geometric-harmonic vision of universal order as being an interwoven configuration of wave patterns. Bertrand Russell, who began to see the profound value of the musical and geometric base to what we now call Pythagorean mathematics and number theory, also supported this view in The Analysis of Matter: ‘What we perceive as various qualities of matter,’ he said, ‘are actually differences in periodicity.’

In biology, the fundamental role of geometry and proportion becomes even more evident when we consider that moment by moment, year by year, aeon by aeon, every atom of every molecule of both living and inorganic substance is being changed and replaced. Every one of us within the next five to seven years will have a completely new body, down to the very last atom. Amid this constancy ofchange, where can we find the basis for all that which appears to be consistent and stable? Biologically we may look to our ideas of genetic coding as the vehicle of replication and continuity, but this coding does not lie in the particular atoms (or carbon, hydrogen, oxygen and nitrogen) ofwhich the gene substance, DNA, is composed; these are all also subject to continual change and replacement. Thus the carrier of continuity is not only the molecular composition of the DNA, but also its helix form. This form is responsible for the replicating power of the DNA. The helix, which is a special type from the group of regular spirals, results from sets of fixed geometric proportions, as we shall see in detail later on. These proportions can be understood to exist a priori, without any material counterpart, as abstract, geometric relationships. The architecture of bodily existence is determined by an invisible, immaterial world of pure form and geometry.

Modern biology increasingly recognizes the importance of the form and the bonding relationships of the few substances which comprise the molecular body of living organisms. Plants, for example, can carry out the process of photosynthesis only because the carbon, hydrogen, nitrogen and magnesium of the chlorophyll molecule are arranged in a complex twelvefold symmetrical pattern, rather like that of a daisy. It seems that the same constituents in any other arrangement cannot transform the radiant energy of light into life substance. In mythological thought, twelve most often occurs as the number of the universal mother of life, and so this twelvefold symbol is precise even to the molecular level.

The specialization of cells in the body's tissue is determined in part by the spatial position of each cell in relation to other cells in its region, as well as by an informational image of the totality to which it belongs. This spatial awareness on a cellular level may be thought of as the innate geometry of life.

All our sense organs function in response to the geometrical or proportional – not quantitative – differences inherent in the stimuli they receive. For example, when we smell a rose we are not responding to the chemical substances of its perfume, but instead to the geometry of their molecular construction. That is to say, any chemical substance that is bonded together in the same geometry as that of the rose will smell as sweet. Similarly, we do not hear simple quantitative differences in sound wave frequencies, but rather the logarithmic, proportional differences between frequencies, logarithmic expansion being the basis of the geometry of spirals.

Our visual sense differs from our sense of touch only because the nerves of the retina are not tuned to the same range of frequencies as are the nerves embedded in our skin. If our tactile or haptic sensibilities were responsive to the same frequencies as our eyes, then all material objects would be perceived to be as ethereal as projections oflight and shadow. Our different perceptual faculties such as sight, hearing, touch and smell are a result then of various proportioned reductions of one vast spectrum of vibratory frequencies. We can understand these proportional relationships as a sort of geometry of perception.

With our bodily organization into five or more separate perceptual thresholds, there is seemingly little in common between visual space, auditory space and haptic space, and there seems to be even less connection between these physiological spaces and pure, abstract metric or geometric space, not to mention here the differing awareness of phychological space. Yet all these modes of spatial being converge in the human mind-body. Within the human consciousness is the unique ability to perceive the transparency between absolute, permanent relationships, contained in the insubstantial forms of a geometric order, and the transitory, changing forms of our actual world. The content of our experience results from an immaterial, abstract, geometric architecture which is composed of harmonic waves of energy, nodes of relationality, melodic forms springing forth from the eternal realm of geometric proportion.

Robert Lawlor, Sacred Geometry: Philosophy & Practice. Thames & Hudson, 1st. ed. 1982 (Introduction)