Wednesday, 19 August 2009

militar contra religioso/military against religious

Os birmaneses são tão religiosos que todos os homens passam parte de sua juventude como monges, devotando-se a práticas ascéticas. Por essa razão vemos muitos monges jovens mais ou menos da nossa idade.
Que diferença! No Japão todos os rapazes usavam uniformes de soldados, mas na Birmânia eles vestem mantos sacerdotais. Discutíamos sobre isso com frequência. Treinamento militar obrigatório ou treinamento religioso obrigatório — qual era melhor? Qual era mais avançado? Como nação, como seres humanos, qual deveríamos escolher?
Era um tipo estranho de discussão que sempre acabava em um impasse. Resumidamente, a diferença entre os dois modos de vida parecia ser que, no país em que os rapazes usam uniformes militares, os jovens de hoje sem dúvida se tornarão os adultos eficientes, que trabalham duro, de amanhã. E o trabalho deve ser feito, uniformes são necessários. Por outro lado, mantos sacerdotais são feitos para uma vida de adoração silenciosa, não para o trabalho estrênuo, muito menos para a guerra. Se um homem usa tais vestimentas durante a sua juventude, ele provavelmente desenvolverá uma alma branda em harmonia com a natureza e seus semelhantes, e não será inclinado a lutar e superar obstáculos com sua própria força.
Em tempos antigos nós, japoneses, usávamos roupas que eram como mantos clericais, mas hoje em dia normalmente usamos roupas ocidentais parecidas com uniformes. E isso já é de se esperar, visto que agora nos tornamos uma das nações mais ativas e eficientes do mundo e nossa vida harmoniosa e pacífica é uma coisa do passado. A diferença básica reside na atitude de um povo; se, como os birmaneses, aceitam o mundo tal como é, ou se tentam mudá-lo de acordo com os próprios intentos. Tudo depende disso.
Os birmaneses, inclusive os que vivem nas cidades, ainda não usam roupas ocidentais. Eles usam seus mantos folgados tradicionais. Mesmo estadistas atuantes na política mundial vestem trajes birmaneses nativos, para evitar perder popularidade em casa. Isso porque os birmaneses, diferente dos japoneses, permaneceram sem mudar. Ao invés de desejar dominar tudo por meio da força ou do intelecto, eles visam a salvação por meio da humildade e da confiança em um poder maior que eles próprios. Assim, desconfiam de pessoas que usam roupas ocidentais, e cuja postura mental é diferente da deles.
Nossa discussão tendia a reduzir-se a isso: depende de como as pessoas escolhem viver — tentar controlar a natureza por seus próprios esforços, ou submeter-se a ela e amalgamar-se em uma ordem de existência mais ampla, mais profunda. Mas qual dessas atitudes, desses modos de vida, é melhor para o mundo e para a humanidade? Qual deveríamos escolher?

[...]

Nunca conseguíamos chegar a uma decisão clara em relação a qual sistema era melhor. Contudo, normalmente acabávamos concordando que os birmaneses vivem todas as fases de suas vidas em conformidade com um ensinamento profundo, e não podem ser considerados incivilizados. É errado ridicularizá-los só porque eles não têm o tipo de conhecimento que temos. Eles possuem algo maravilhoso que não conseguimos nem começar a compreender. A única coisa é que estão em desvantagem porque são fracos e incapazes de se defender contra invasores como nós. Talvez eles devessem prestar mais atenção à vida na terra, e não rejeitá-la como sem significado, mas dar-lhe um valor mais alto.

Michio Takeyama, A harpa da Birmânia [Harp of Burma]. Traduzido para o inglês por Howard Hibbett. Rutland, Vermont e Tokyo, Charles E. Tuttle Co., 1992. 1a edição 1966.




The Burmese are so religious that every man spends part of his youth as a monk, devoting himself to ascetic practices. For that reason we saw many young monks of about our own age.
What a difference! In Japan all the young men wore soldiers’ uniforms, but in Burma they put on priestly robes. We often argued about this. Compulsory military training or compulsory religious training — which better? Which was more advanced? As a nation, as human beings, which should we choose?
It was a queer kind of argument that always ended in a stalemate. Briefly, the difference between the two ways of life seemed to be that in a country where young men wear military uniforms the youths of today will doubtless become the efficient, hard-working adults of tomorrow. If work is to be done, uniforms are necessary. On the other hand, priestly robes are meant for a life of quiet worship, not for strenuous work, least of all for war. If a man wears such garments during his youth, he will probably develop a gentle soul in harmony with nature and his fellow man, and will not be inclined to fight and overcome obstacles by his own strength.
In former times we Japanese wore clothes that were like clerical robes, but nowadays we usually wear uniform-like Western clothes. And that is only to be expected, since we have now become one of the most active and efficient nations in the world and our old peaceful, harmonious life is a thing of the past. The basic difference lies in the attitude of a people; whether, like the Burmese, to accept the world as it is, or to try to change it according to one’s own designs. Everything hinges on this.
The Burmese, including those who live in cities, do not wear Western clothes. They wear their traditional loose-fitting robes. Even statesmen active in world politics dress in their native Burmese costume, to avoid losing popularity at home. That is because the Burmese, unlike the Japanese, have remained unchanged. Instead of wishing to master everything through strength or intellect, they aim for salvation through humility and reliance on a power greater than themselves. Thus they distrust people who wear Western clothes, and whose mental attitude is different from their own.
Our argument tended to boil down to this: it depends on how people choose to live — to try to control nature by their own efforts, or yield to it and merge into a broader, deeper order of being. But which of these attitudes, of these ways of life, is better for the world and for humanity? Which should we choose?

[…]

We could never come to a clear decision as to which system was better. However, we usually ended up by agreeing that Burmese live every phase of their lives in accordance with a profound teaching, and cannot be considered uncivilized. It’s wrong to ridicule them just because they don’t have the kind of knowledge we do. They possess something marvelous that we can’t even begin to understand. Only, they are at a disadvantage because they are weak and unable to defend themselves against invaders like us. Maybe they should pay more attention to life on earth, not dismiss it as meaningless but set a higher value on it.

Michio Takeyama, Harp of Burma. Translated by Howard Hibbett. Rutland, Vermont and Tokyo, Charles E. Tuttle Co., 1992. 1st edition 1966.

Saturday, 15 August 2009

para não sucumbir, entrega-se, já perdido na própria criação



in order not to succumb, man gives himself, already lost in his own creation

Sunday, 2 August 2009

Autorreflexão cibernética/Cybernetic self-reflexion

Autorreflexão cibernética

O estômago cheio e a tristeza invernal, em uma noite de sábado,
Solitária entre viagens; pausa para recuperação das forças
E reordenação dos parâmetros e diretrizes, lentamente se assentando por si;
O homem reduzido a máquina libera o excesso de sentimentos
Por vias alfabéticas, utilizando a linguagem de sua programação.

De volta à estaca zero, mais experiente, calejado e sobretudo realista,
Ainda cansado, melancólico, sem ânimo social,
Dando-se o tempo de reflexão e contato consigo mesmo,
Apesar do fardo do tempo pesar cada vez mais,
Atraindo consigo o peso da sociedade.

Pois a condição humana, animal, racional,
Limitada, clama por liberdade; inquieta, procura se disciplinar,
Consome-se no trato social, em busca de saciação,
Na verdade não encontra reflexo,
Esgota-se então, não alcança o amor e nele repousa.

Somente quando a ilha é carregada de significado em si
Flutua plena elevando a realidade, e não se abaixa;
Mas ainda assim, em meio à multidão, recolhe-se, não se destaca,
Cultivando gradualmente seu momento, aguardando-o,
Construindo-se ciente de que é o universo todo, paradoxalmente.



Cybernetic self-reflexion

Full stomach and winterly sadness, on a Saturday night,
Lonely between travels; a pause for recovering forces
And reordinating parameters and directrices, slowly settling by themselves;
Man reduced to machine releases the excess of sentiment
Through alphabetic ways, using the language of his programming.

Back to grade zero, more experienced, calloused and mostly down to earth,
Still tired, melancholy, without social animus,
Giving himself the time for reflexion and contact with oneself,
Despite the burden of time weighing ever more,
Attracting with it society's weight.

For human condition, animal, rational,
Limited, claims for freedom; unquiet, it seeks self-discipline,
It consumes itself in social treating, in search of satiation,
In truth it finds no reflex,
It wears itself out then, does not reach love and on it repose.

Only when the island is charged of signification in itself
It floats absolute raising reality, and does not lower;
But yet, amidst multitude, retreats, does not stand out,
Gradually cultivating its momement, waiting for it,
Building itself aware that it is the whole universe, paradoxically.