Sunday, 29 November 2009

Por trás da realidade/In Back of the Real (A. Ginsberg)

Por trás da realidade

pátio ferroviário em San Jose
vagueei desolado em frente
a uma fábrica de tanques de guerra
e sentei em um banco
perto da cabine do guarda-chaves.

Uma flor se encontra sobre o feno
na estrada de asfalto
— a temível flor do feno
pensei — Ela tinha um
delicado caule preto e
uma corola de espinhos sujos
amarelados como os da coroa de Jesus
de uma polegada, e um imundo
tufo de algodão seco no centro
como um pincel de barba usado
que ficou largado debaixo
da garagem por um ano.

Flor amarela, amarela, e
flor da indústria,
rija espinhosa feia flor,
flor todavia,
com a forma da grande Rosa
amarela em seu cérebro!
Essa é a flor do Mundo.

San Jose, 1954

Allen Ginsberg, Uivo e outros poemas.



In Back of the Real

railroad yard in San Jose
I wandered desolate
in front of a tank factory
and sat on a bench
near the switchman’s shack.

A flower lay on the hay on
the asphalt highway
— the dread hay flower
I thought — It had a
brittle black stem and
corolla of yellowish dirty
spikes like Jesus’ inchlong
crown, and a soiled
dry center cotton tuft
like a used shaving brush
that’s been lying under
the garage for a year.

Yellow, yellow flower, and
flower of industry,
tough spiky ugly flower,
flower nonetheless,
with the form of the great yellow
Rose in your brain!
This is the flower of the World.

San Jose, 1954

Allen Ginsberg, Howl and Other Poems.

Friday, 30 October 2009

Espaço e tempo como conceitos psíquicos/Space and time as psychic concepts

[...] Em meu ensaio “Sobre a natureza da psique”, considerei a sincronicidade como uma relatividade do espaço e do tempo psiquicamente condicionada. Os experimentos de Rhine mostram que em relação à psique espaço e tempo são, por assim dizer, “elásticos” e podem ser aparentemente reduzidos quase ao ponto de fuga, como se fossem dependentes de condições psíquicas e não existissem por si próprios, mas fossem apenas “postulados” pela mente consciente. Na visão de mundo original do homem, como encontramos entre os primitivos, espaço e tempo têm uma existência muito precária. Eles se tornam conceitos “fixos” somente no decorrer de seu desenvolvimento mental, em grande parte graças à introdução da medição. Por si próprios, espaço e tempo consistem de nada. Eles são conceitos hipostasiados nascidos da atividade discriminativa da mente consciente, e formam as coordenadas indispensáveis para descrever o comportamento dos corpos em movimento. Eles têm, portanto, origem essencialmente psíquica, que é provavelmente a razão que impeliu Kant a considerá-los como categorias a priori. Mas se espaço e tempo apenas aparentemente são propriedades dos corpos em movimento e são criados pelas necessidades intelectuais do observador, então sua relativização pelas condições psíquicas não é mais motivo de assombro, mas é trazida para dentro dos limites da possibilidade. Essa possibilidade apresenta-se quando a psique observa, não os corpos exteriores, mas a si mesma. Isso é precisamente o que acontece nos experimentos de Rhine: a resposta do sujeito não é o resultado de sua observação das cartas físicas, é um produto da imaginação pura, de ideias “do acaso” que revelam a estrutura daquilo que as produz, a saber, o inconsciente. Aqui enfatizarei apenas que são os fatores decisivos da psique inconsciente, os arquétipos, que constituem a estrutura do inconsciente coletivo. Este último representa a psique que é idêntica em todos os indivíduos. Ele não pode ser diretamente percebido ou “representado”, em contraste aos fenômenos psíquicos perceptíveis, e devido à sua natureza “irrepresentável” chamei-o de “psicóide”.

Carl G. Jung, Sincronicidade: Um princípio conector acausal (trad. R.F.C. Hull). 1960, 1973.



[...] In my essay “On the Nature of the Psyche”, I considered synchronicity as a psychically conditioned relativity of space and time. Rhine’s experiments show that in relation to the psyche space and time are, so to speak, “elastic” and can apparently be reduced almost to vanishing point, as though they were dependent on psychic conditions and did not exist in themselves but were only “postulated” by the conscious mind. In man’s original view of the world, as we find it among the primitives, space and time have a very precarious existence. They become “fixed” concepts only in the course of his mental development, thanks largely to the introduction of measurement. In themselves, space and time consist of nothing. They are hypostatized concepts born of the discriminating activity of the conscious mind, and they form the indispensable co-ordinates for describing the behaviour of bodies in motion. They are, therefore, essentially psychic in origin, which is probably the reason that impelled Kant to regard them as a priori categories. But if space and time are only apparently properties of bodies in motion and are created by the intellectual needs of the observer, then their relativization by psychic conditions is no longer a matter for astonishment but is brought within the bounds of possibility. This possibility presents itself when the psyche observes, not external bodies, but itself. That is precisely what happens in Rhine’s experiments: the subject’s answer is not the result of his observing the physical cards, it is a product of pure imagination, of “chance” ideas which reveal the structure of that which produces them, namely the unconscious. Here I will only point out that it is the decisive factors in the unconscious psyche, the archetypes, which constitute the structure of the collective unconscious. The latter represents a psyche that is identical in all individuals. It cannot be directly perceived or “represented”, in contrast to the perceptible psychic phenomena, and on account of its “irrepresentable” nature I have called it “psychoid”.

Carl G. Jung, Synchronicity: An Acausal Connecting Principle (transl. R.F.C. Hull). 1960, 1973.

Saturday, 17 October 2009

A ascenção/The ascension

O profeta da estrela adorável, em sua ilha, desperta;
Pela perfeição de sua vontade, conquista o mundo,
Atraindo para si seguidores de valor e de visão,
Comprometidos unicamente com a verdade infinita,
Fortes, soberanos, superiores pela verdade pura,
Esmagando os fracos e os miseráveis,
Os prisioneiros do engano e da ilusão,
Abandonando-os ao seu destino infeliz,
Assumindo o potencial total do humano,
Sem temor ou restrição de qualquer forma,
Deleitando-se na alegria e no amor universal,
Livre de propósito, finalidade ou ânsia por resultado.



The prophet of the lovely star, in his island, awakens;
Through the perfection of his will, conquers the world,
Attracting to himself followers of worth and vision,
Solely compromised with the infinite truth,
Strong, sovereign, superior through pure truth,
Stomping down the weak and the wretched,
The prisoners of deceit and illusion,
Forsaking them to their unhappy fate,
Assuming the total potential of humane,
Without fear or restriction of any kind,
Delighting in joy and universal love,
Free from purpose, aim or craving for result.

Thursday, 8 October 2009

O ritmo absoluto do caos/ The absolute rhythm of chaos

O ritmo absoluto do caos

Antes do céu e da terra, o caos é absoluto: a madrugada arde neste canto do inferno
Um pássaro canta, insone, em meio às luzes artificiais, antecipando a manhã
Carros e motos passam seguindo o canal... meninas passam conversando
O futuro converge em meus dedos, e todas as possibilidades explodem em uma miríade infinita
A esperança é superada, a certeza é alcançada, a estrada de tijolos de ouro surge à frente
E o tempo é o ritmo absoluto que despreza e engole as vãs tentativas de medição precisa
O universo pulsa em minhas células, orgânico e elétrico por circuitos industrializados
A destruição é o destino e fim da realização suprema do homem: o retorno total



The absolute rhythm of chaos

Before heavens and earth, chaos is absolute: the wee hours burn in this corner of hell
A bird sings, insomnious, among the artificial lights, anticipating the morning
Cars and motorcycles pass along the canal... girls pass talking by
The future converges in my fingers, and all possibilities explode in an infinite myriad
Hope is surpassed, certainty is reached, the golden brick road appears in front of me
And time is the absolute rhythm which despises and swallows the vain attempts of precise measurement
Universe pulsates in my cells, organic and electric through industrialized circuits
Destruction is the destiny and end of the ultimate achievement of man: the total return

Wednesday, 23 September 2009

terra estéril/wasteland

terra estéril

pálpebras pesadas
a cidade
no meio da chuva
melancolia
pela humanidade
por mim mesmo

reclusão transformando-se em isolamento
contracultura ingênua
negrura
escuridão completa
quero chorar
mas não consigo

então continuo sozinho na multidão
deixando o animal
com o controle total de mim mesmo
abraçando o animal
inteiro
humano

paciência com as pessoas
valorizar encontros profundos raros
estabelecer o curso para a plenitude
apesar do animal, apesar do humano
inabalável
resoluto

conforme ando para a frente
eles me veem
então recebor
devagar
a mim mesmo
nos outros

minha vontade de derramar lágrimas
que não saem
é a chuva na noite nevoenta
na divisa
da cidade e da mata
da natureza e da civilização



wasteland

heavy eyelids
the city
in the middle of the rain
melancholy
for humanity
for myself

solitude turning to loneliness
naïve counterculture
blackness
pitch dark
feels like crying
but i just can't

so i remain alone in the crowd
leaving the animal
in full control of myself
embracing the animal
whole
human

patience with the people
value rare deep encounters
settle course for plenitude
despite the animal, despite the human
unwavering
steady

as i step forward
they see me
so i take
slowly
myself
in others

my will for weeping
that won't come out
is the rain in the misty night
on the verge
of the city and the jungle
of nature and civilization

Wednesday, 2 September 2009

Fim da carta do harpista/End of the harpist letter

Quero estudar os ensinamentos budistas, refletir sobre eles e torná-los parte de mim. Nós e nossos compatriotas sofremos cruelmente. Muitas pessoas inocentes foram sacrificadas por uma causa sem sentido. Jovens saudáveis, limpos, foram tirados de seus lares, trabalhos e escolas, só para deixar seus ossos embranquecendo no solo de uma terra distante. Quanto mais penso nisso, mais amargo é meu pesar. Quando olho para trás, para o que aconteceu, sinto agudamente que [agimos] de modo impensado demais. Esquecemos de meditar profundamente sobre o significado da vida.
Aprendi muito durante meu treinamento como monge. Desde tempos antigos esta religião tem sido dedicada a uma meditação extraordinariamente profunda sobre a vida humana e sobre o mundo no qual ela existe. Aqueles que se devotam a seus ensinamentos voluntariamente passam por todos os tipos de provações perigosas e austeridades severas para compreender a verdade. Sua coragem é tão grande quanto a de qualquer soldado; sua batalha é para capturar uma fortaleza invisível. Por esta causa, como lhes disse, alguns até rastejam seminus subindo os Himalaias cobertos de neve.
Nós japoneses não nos interessamos em fazer esforços espirituais estrênuos. Nós nem reconhecemos o seu valor. O que enfatizamos era meramente as habilidades de um homem, as coisas que ele podia fazer — não o tipo de homem que ele era, como ele vivia, ou a profundidade de seu entendimento. Da perfeição como ser humano, da humildade, do estoicismo, da santidade, da capacidade de obter a salvação e de ajudar outros em sua direção — de todas essas virtudes ficamos ignorantes.
Espero passar o resto da minha vida buscando-as como um monge nesta terra estrangeira.

[...]

Mizushima Yasuhiko

Michio Takeyama, A harpa da Birmânia (Harp of Burma), traduzido para o inglês por Howard Hibbett. Rutland e Tokyo, Charles E. Tuttle, 1992. Primeira impressão 1966.



I want to study Buddhist teachings, to reflect on them and make them a part of me. We and our fellow countrymen have suffered cruelly. Many innocent people were sacrificed to a senseless cause. Fresh, clean young men were taken from their homes jobs, and schools, only to leave their bones bleaching on the soil of a distant land. The more I think of it, the bitterer my sorrow. As I look back on what has happened, I feel keenly that we have been too unthinking. We have forgotten to meditate deeply on the meaning of life.
I have learned a great deal during my training as a monk. Since ancient times this religion has been dedicated to an extraordinarily profound meditation on human life and on the world in which it exists. Those who devote themselves to its teachings willingly undergo all sorts of dangerous trials and harsh austerities in order to grasp the truth. Their courage is as great as any soldier’s; theirs is a battle to capture an invisible fortress. In this cause, as I have told you, some even crawl half naked up the snow-covered Himalayas.
We Japanese have not cared to make strenuous spiritual efforts. We have not even recognized their value. What we stressed was merely a man’s abilities, the things he could do — not what kind of a man he was, how he lived, or the depth of his understanding. Of perfection as a human being, of humility, stoicism, holiness, the capacity to gain salvation and to help others toward it — of all these virtues we were left ignorant.
I hope to spend the rest of my life seeking them as a monk in this foreign land.

[...]

Mizushima Yasuhiko

Michio Takeyama, Harp of Burma (tr. Howard Hibbett). Rutland and Tokyo, Charles E. Tuttle, 1992. 1st printing 1966.

Wednesday, 19 August 2009

militar contra religioso/military against religious

Os birmaneses são tão religiosos que todos os homens passam parte de sua juventude como monges, devotando-se a práticas ascéticas. Por essa razão vemos muitos monges jovens mais ou menos da nossa idade.
Que diferença! No Japão todos os rapazes usavam uniformes de soldados, mas na Birmânia eles vestem mantos sacerdotais. Discutíamos sobre isso com frequência. Treinamento militar obrigatório ou treinamento religioso obrigatório — qual era melhor? Qual era mais avançado? Como nação, como seres humanos, qual deveríamos escolher?
Era um tipo estranho de discussão que sempre acabava em um impasse. Resumidamente, a diferença entre os dois modos de vida parecia ser que, no país em que os rapazes usam uniformes militares, os jovens de hoje sem dúvida se tornarão os adultos eficientes, que trabalham duro, de amanhã. E o trabalho deve ser feito, uniformes são necessários. Por outro lado, mantos sacerdotais são feitos para uma vida de adoração silenciosa, não para o trabalho estrênuo, muito menos para a guerra. Se um homem usa tais vestimentas durante a sua juventude, ele provavelmente desenvolverá uma alma branda em harmonia com a natureza e seus semelhantes, e não será inclinado a lutar e superar obstáculos com sua própria força.
Em tempos antigos nós, japoneses, usávamos roupas que eram como mantos clericais, mas hoje em dia normalmente usamos roupas ocidentais parecidas com uniformes. E isso já é de se esperar, visto que agora nos tornamos uma das nações mais ativas e eficientes do mundo e nossa vida harmoniosa e pacífica é uma coisa do passado. A diferença básica reside na atitude de um povo; se, como os birmaneses, aceitam o mundo tal como é, ou se tentam mudá-lo de acordo com os próprios intentos. Tudo depende disso.
Os birmaneses, inclusive os que vivem nas cidades, ainda não usam roupas ocidentais. Eles usam seus mantos folgados tradicionais. Mesmo estadistas atuantes na política mundial vestem trajes birmaneses nativos, para evitar perder popularidade em casa. Isso porque os birmaneses, diferente dos japoneses, permaneceram sem mudar. Ao invés de desejar dominar tudo por meio da força ou do intelecto, eles visam a salvação por meio da humildade e da confiança em um poder maior que eles próprios. Assim, desconfiam de pessoas que usam roupas ocidentais, e cuja postura mental é diferente da deles.
Nossa discussão tendia a reduzir-se a isso: depende de como as pessoas escolhem viver — tentar controlar a natureza por seus próprios esforços, ou submeter-se a ela e amalgamar-se em uma ordem de existência mais ampla, mais profunda. Mas qual dessas atitudes, desses modos de vida, é melhor para o mundo e para a humanidade? Qual deveríamos escolher?

[...]

Nunca conseguíamos chegar a uma decisão clara em relação a qual sistema era melhor. Contudo, normalmente acabávamos concordando que os birmaneses vivem todas as fases de suas vidas em conformidade com um ensinamento profundo, e não podem ser considerados incivilizados. É errado ridicularizá-los só porque eles não têm o tipo de conhecimento que temos. Eles possuem algo maravilhoso que não conseguimos nem começar a compreender. A única coisa é que estão em desvantagem porque são fracos e incapazes de se defender contra invasores como nós. Talvez eles devessem prestar mais atenção à vida na terra, e não rejeitá-la como sem significado, mas dar-lhe um valor mais alto.

Michio Takeyama, A harpa da Birmânia [Harp of Burma]. Traduzido para o inglês por Howard Hibbett. Rutland, Vermont e Tokyo, Charles E. Tuttle Co., 1992. 1a edição 1966.




The Burmese are so religious that every man spends part of his youth as a monk, devoting himself to ascetic practices. For that reason we saw many young monks of about our own age.
What a difference! In Japan all the young men wore soldiers’ uniforms, but in Burma they put on priestly robes. We often argued about this. Compulsory military training or compulsory religious training — which better? Which was more advanced? As a nation, as human beings, which should we choose?
It was a queer kind of argument that always ended in a stalemate. Briefly, the difference between the two ways of life seemed to be that in a country where young men wear military uniforms the youths of today will doubtless become the efficient, hard-working adults of tomorrow. If work is to be done, uniforms are necessary. On the other hand, priestly robes are meant for a life of quiet worship, not for strenuous work, least of all for war. If a man wears such garments during his youth, he will probably develop a gentle soul in harmony with nature and his fellow man, and will not be inclined to fight and overcome obstacles by his own strength.
In former times we Japanese wore clothes that were like clerical robes, but nowadays we usually wear uniform-like Western clothes. And that is only to be expected, since we have now become one of the most active and efficient nations in the world and our old peaceful, harmonious life is a thing of the past. The basic difference lies in the attitude of a people; whether, like the Burmese, to accept the world as it is, or to try to change it according to one’s own designs. Everything hinges on this.
The Burmese, including those who live in cities, do not wear Western clothes. They wear their traditional loose-fitting robes. Even statesmen active in world politics dress in their native Burmese costume, to avoid losing popularity at home. That is because the Burmese, unlike the Japanese, have remained unchanged. Instead of wishing to master everything through strength or intellect, they aim for salvation through humility and reliance on a power greater than themselves. Thus they distrust people who wear Western clothes, and whose mental attitude is different from their own.
Our argument tended to boil down to this: it depends on how people choose to live — to try to control nature by their own efforts, or yield to it and merge into a broader, deeper order of being. But which of these attitudes, of these ways of life, is better for the world and for humanity? Which should we choose?

[…]

We could never come to a clear decision as to which system was better. However, we usually ended up by agreeing that Burmese live every phase of their lives in accordance with a profound teaching, and cannot be considered uncivilized. It’s wrong to ridicule them just because they don’t have the kind of knowledge we do. They possess something marvelous that we can’t even begin to understand. Only, they are at a disadvantage because they are weak and unable to defend themselves against invaders like us. Maybe they should pay more attention to life on earth, not dismiss it as meaningless but set a higher value on it.

Michio Takeyama, Harp of Burma. Translated by Howard Hibbett. Rutland, Vermont and Tokyo, Charles E. Tuttle Co., 1992. 1st edition 1966.

Saturday, 15 August 2009

para não sucumbir, entrega-se, já perdido na própria criação



in order not to succumb, man gives himself, already lost in his own creation

Sunday, 2 August 2009

Autorreflexão cibernética/Cybernetic self-reflexion

Autorreflexão cibernética

O estômago cheio e a tristeza invernal, em uma noite de sábado,
Solitária entre viagens; pausa para recuperação das forças
E reordenação dos parâmetros e diretrizes, lentamente se assentando por si;
O homem reduzido a máquina libera o excesso de sentimentos
Por vias alfabéticas, utilizando a linguagem de sua programação.

De volta à estaca zero, mais experiente, calejado e sobretudo realista,
Ainda cansado, melancólico, sem ânimo social,
Dando-se o tempo de reflexão e contato consigo mesmo,
Apesar do fardo do tempo pesar cada vez mais,
Atraindo consigo o peso da sociedade.

Pois a condição humana, animal, racional,
Limitada, clama por liberdade; inquieta, procura se disciplinar,
Consome-se no trato social, em busca de saciação,
Na verdade não encontra reflexo,
Esgota-se então, não alcança o amor e nele repousa.

Somente quando a ilha é carregada de significado em si
Flutua plena elevando a realidade, e não se abaixa;
Mas ainda assim, em meio à multidão, recolhe-se, não se destaca,
Cultivando gradualmente seu momento, aguardando-o,
Construindo-se ciente de que é o universo todo, paradoxalmente.



Cybernetic self-reflexion

Full stomach and winterly sadness, on a Saturday night,
Lonely between travels; a pause for recovering forces
And reordinating parameters and directrices, slowly settling by themselves;
Man reduced to machine releases the excess of sentiment
Through alphabetic ways, using the language of his programming.

Back to grade zero, more experienced, calloused and mostly down to earth,
Still tired, melancholy, without social animus,
Giving himself the time for reflexion and contact with oneself,
Despite the burden of time weighing ever more,
Attracting with it society's weight.

For human condition, animal, rational,
Limited, claims for freedom; unquiet, it seeks self-discipline,
It consumes itself in social treating, in search of satiation,
In truth it finds no reflex,
It wears itself out then, does not reach love and on it repose.

Only when the island is charged of signification in itself
It floats absolute raising reality, and does not lower;
But yet, amidst multitude, retreats, does not stand out,
Gradually cultivating its momement, waiting for it,
Building itself aware that it is the whole universe, paradoxically.

Tuesday, 28 July 2009

Pássaros engraxados vão quebrar você.



Greased birds will break you.

Monday, 29 June 2009

O que é o mercado?/What's the market?

[...] O que é o mercado? Um lugar, de acordo com Anacharsis, no qual eles logram uns aos outros, uma armadilha; não, o que é o mundo em si? Um vasto caos, uma confusão de costumes, tão volúvel quanto o ar, domicilium insanorum [um hospício], uma tropa turbulenta cheia de impurezas, uma feira de espíritos ambulantes, duendes, o teatro da hipocrisia, uma loja de patifaria, uma creche de vilania, a cena de tagarelice, a escola de frivolidade, a academia do vício; uma guerra, ubi velis nolis pugnandum, aut vincas aut succumbas [no qual vós tendes que lutar quer queiras ou não, e ou conquistar ou serdes subjugado], no qual é matar ou ser morto; no qual cada homem está por si, seus fins particulares, e fica em sua própria guarda. [...]



[...] What's the market? A place, according to Anacharsis, wherein they cozen one another, a trap; nay, what's the world itself? A vast chaos, a confusion of manners, as fickle as the air, domicilium insanorum [a madhouse], a turbulent troop full of impurities, a mart of walking spirits, goblins, the theatre of hypocrisy, a shop of knavery, flattery, a nursery of villainy, the scene of babbling, the school of giddiness, the academy of vice; a warfare, ubi velis nolis pugnandum, aut vincas aut succumbas [where you have to fight whether you will or no, and either conquer or go under], in which kill or be killed; wherein every man is for himself, his private ends, and stands upon his own guard. [...]



Robert Burton (1577-1640), The Anatomy of Melancholy [A anatomia da melancolia] (ed. Holbrook Jackson). New York: Vintage Books, 1977. Democritus to the Reader [Democritus ao leitor], p. 64.

Sunday, 3 May 2009

Por onde começar? / Where to start?

Por onde começar? A necessidade de escrever faz-se gritante neste momento. Uma brisa fresca, quase fria, acaricia o agradável clima ensolarado lá fora da janela. Palavras são vãs, distam da verdade, são ferramentas sociais, não conseguem se aproximar da profundidade da existência contemplada no silêncio. Contudo, a inquietação humana detém o mergulho na essência, na escuridão do vazio. Se o homem é um ser social, existe um instinto que impulsiona à comunhão com os outros da espécie, e é aí que as palavras são úteis e até necessárias no atual estágio da vida humana. Porém a vida social, especialmente dentro do modo de vida atual, é oposta à profundidade da essência, visto que alimenta a inquietação. O isolamento e a concentração como prioridades, então, e envolver-se socialmente apenas de maneira superficial? Não. Atingir a profundidade da essência dentro do convívio social, superando a dualidade dos opostos. Prossigamos, passo a passo.



Where to start? The necessity of writing is overwhelming at this moment. A fresh breeze, almost cold, caresses the pleasing sunny weather outside the window. Words are vain, far from truth, are social tools, they can’t come near the depth of existence contemplated in silence. However, human disquietude halts diving in the essence, in the darkness of emptiness. If man is a social being, there is an instinct that impels him towards others of the species, and it is there where words are useful and even necessary in the present stage of human life. But social life, specially within the present way of life, is contrary to the depth of essence, since it feeds disquietude. Isolation and concentration as priorities, then, and to engage socially only in a superficial manner? No. To reach the depth of existence within social conviviality, surpassing the duality of contraries. Let us proceed, step by step.

Friday, 1 May 2009

reclusão extrema/extreme reclusiveness [Privacidade/Privacy 2]

[...] reclusão extrema — tão completamente em desacordo com a lógica de nossa própria época, quando até o conceito de privacidade é construído a partir de materiais de circulação pública. Agora é quase impossível sermos nós mesmos exceto em termos do mundo.

Ballard, J. G., A exibição de atrocidades (1969), notas para a edição de 1993.

Ao reverter o sentido da sociedade individualista (que geralmente caracteriza a modernidade), Ballard ambiguamente acaba refletindo o próprio individualismo, pelo simples fato de que em uma sociedade não-individualista, de modo geral, não se pensaria na privacidade.



[...]extreme reclusiveness — so completely at odds with the logic of our own age, when even the concept of privacy is constructed from publicly circulating materials. It is now almost impossible to be ourselves except on the world’s terms.

J. G. Ballard , The Atrocity Exhibition (1969), notes to the 1993 edition.

Upon reverting the sense of the individualist society (that generally characterizes modernity), Ballard ambiguously ends up reflecting the very individualism, for the simple fact that in a non-individualist society, generally, one wouldn’t think in privacy.

Melancolia/Melancholy

A ABSTRAÇÃO DA MELANCOLIA PELO AUTOR
Διαλογικως [Grego: Diálogos]

Quando fico cismando completamente só,
Pensando em coisas diversas em antecipação,
Quando construo castelos no ar,
Destituído de pesar e destituído de medo,
Deleitando-me com doces quimeras,
Penso que o tempo corre muito rápido.

Todas as minhas alegrias em comparação a isto são tolices,
Nada tão doce quanto a melancolia.

Quando me deito acordado completamente só,
Recontando o que fiz errado,
Meus pensamento sobre mim então tiranizam,
Medo e pesar me surpreendem,
Quer eu me demore, parado, ou siga,
Penso que o tempo passa muito devagar.

Todas as minhas mágoas em comparação a isto são festejos,
Nada tão triste quanto a melancolia.

Quando para mim mesmo atuo e sorrio,
Com pensamentos agradáveis engano o tempo,
Ao lado de um córrego ou de mata tão verde,
Não ouvido, não procurado, ou não visto,
Mil prazeres me abençoam,
E coroam minha alma com felicidade.

Todas as minhas alegrias além dessas são tolices,
Nada tão doce quanto a melancolia.

Quando me deito, sento ou ando sozinho,
Suspiro, aflijo-me, emitindo grande lamento,
Em um bosque escuro, ou gabinete enfadonho,
Com dissabores e Fúrias então,
Mil angústias de uma vez
Meu pesado coração e alma ocultam.

Todas as minhas mágoas em comparação a isto são festejos,
Nenhuma tão azeda quanto a melancolia.

Penso que ouço, penso que vejo,
Doce música, maravilhosa melodia,
Vilas, palácios e belas cidades;
Agora aqui, depois lá; o mundo é meu,
Raras belezas, damas galantes,
O que quer que seja adorável ou divino.

Todas as outras alegrias comparadas a isto são tolices,
Nenhuma tão doce quanto a melancolia.

Penso que ouço, penso que vejo,
Fantasmas, duendes, demônios; minha fantasia
Apresenta mil formas feias,
Ursos sem cabeça, homens negros, e macacos,
Gritarias dolorosas, e visões atemorizantes,
Minha alma triste e lúgubre amedronta.

Todas as minhas mágoas em comparação a isto são festejos,
Nenhuma tão amaldiçoada quanto a melancolia.

Penso que cortejo, penso que beijo,
Penso que agora abraço minha menina.
Ó dias abençoados, Ó doce contento,
No Paraíso passo meu tempo.
Tais pensamentos podem ainda mover minha fantasia,
Então que eu sempre esteja enamorado.

Todas as outras alegrias comparadas a isto são tolices,
Nada tão doce quanto a melancolia.

Quando reconto os muitos temores do amor,
Meus suspiros e lágrimas, minhas noites em claro,
Meus acessos de ciúmes; Ó meu duro destino
Agora me arrependo, mas é tarde demais.
Nenhum tormento é tão ruim quanto o amor,
Tão amargo que minha alma possa provar.

Todas as minhas mágoas em comparação a isto são festejos,
Nada tão áspero quanto a melancolia.

Amigos e companheiros vão embora,
É meu desejo ficar sozinho;
Nunca bem senão quando meus pensamentos e eu
Dominam na privacidade.
Nenhuma gema, nenhum tesouro comparável a este,
É meu deleite, minha coroa, meu êxtase beatífico.

Todas as minhas alegrias em comparação a isto são tolices,
Nada tão doce quanto a melancolia.

É um flagelo só meu estar sozinho,
Sou uma besta, um monstro crescido,
Não desejo luz nem companhia,
Encontro agora minha angústia.
A cena mudou, minhas alegrias se foram,
Medo, descontento e pesares chegam.

Todas as minhas mágoas em comparação a isto são tolices,
Nada tão brutal quanto a melancolia.

Não troco de vida com rei algum,
Eu arrebatado estou: pode o mundo trazer
Mais alegria, do que ainda rir e sorrir,
Em agradáveis brinquedos enganar o tempo?
Não. Ó não me perturbe,
Tão doce contento sinto e vejo.

Todas as minhas alegrias em comparação a isto são tolices,
Nenhuma tão divina quanto a melancolia.

Troco meu estado com qualquer desgraçado,
Que tu podes da cadeia ou da estrumeira pegar;
A cura passada da minha dor, um outro inferno,
Não posso ficar neste tormento!
Agora desesperado odeio a minha vida,
Empresta-me uma forca ou uma faca;

Todas as minhas mágoas em comparação a isto são festejos,
Nada tão maldito quanto a melancolia.

Richard Burton, A anatomia da melancolia (1621)



THE AUTHOR'S ABSTRACT OF MELANCHOLY
Διαλογικως [Greek: Dialogos]

When I go musing all alone
Thinking of divers things fore-known.
When I build castles in the air,
Void of sorrow and void of fear,
Pleasing myself with phantasms sweet,
Methinks the time runs very fleet.

All my joys to this are folly,
Naught so sweet as melancholy.

When I lie waking all alone,
Recounting what I have ill done,
My thoughts on me then tyrannise,
Fear and sorrow me surprise,
Whether I tarry still or go,
Methinks the time moves very slow.

All my griefs to this are jolly,
Naught so mad as melancholy.

When to myself I act and smile,
With pleasing thoughts the time beguile,
By a brook side or wood so green,
Unheard, unsought for, or unseen,
A thousand pleasures do me bless,
And crown my soul with happiness.

All my joys besides are folly,
None so sweet as melancholy.

When I lie, sit, or walk alone,
I sigh, I grieve, making great moan,
In a dark grove, or irksome den,
With discontents and Furies then,
A thousand miseries at once
Mine heavy heart and soul ensconce,

All my griefs to this are jolly,
None so sour as melancholy.

Methinks I hear, methinks I see,
Sweet music, wondrous melody,
Towns, palaces, and cities fine;
Here now, then there; the world is mine,
Rare beauties, gallant ladies shine,
Whate'er is lovely or divine.

All other joys to this are folly,
None so sweet as melancholy.

Methinks I hear, methinks I see
Ghosts, goblins, fiends; my phantasy
Presents a thousand ugly shapes,
Headless bears, black men, and apes,
Doleful outcries, and fearful sights,
My sad and dismal soul affrights.

All my griefs to this are jolly,
None so damn'd as melancholy.

Methinks I court, methinks I kiss,
Methinks I now embrace my mistress.
O blessed days, O sweet content,
In Paradise my time is spent.
Such thoughts may still my fancy move,
So may I ever be in love.

All my joys to this are folly,
Naught so sweet as melancholy.

When I recount love's many frights,
My sighs and tears, my waking nights,
My jealous fits; O mine hard fate
I now repent, but 'tis too late.
No torment is so bad as love,
So bitter to my soul can prove.

All my griefs to this are jolly,
Naught so harsh as melancholy.

Friends and companions get you gone,
’Tis my desire to be alone;
Ne’er well but when my thoughts and I
Do domineer in privacy.
No Gem, no treasure like to this,
’Tis my delight, my crown, my bliss.

All my joys to this are folly,
Naught so sweet as melancholy.

’Tis my sole plague to be alone,
I am a beast, a monster grown,
I will no light nor company,
I find it now my misery.
The scene is turn’d, my joys are gone,
Fear, discontent, and sorrows come.

All my griefs to this are jolly,
Naught so fierce as melancholy.

I’ll not change life with any king,
I ravisht am: can the world bring
More joy, than still to laugh and smile,
In pleasant toys time to beguile?
Do not, O do not trouble me,
So sweet content I feel and see.

All my joys to this are folly,
None so divine as melancholy.

I’ll change my state with any wretch,
Thou canst from gaol or dunghill fetch;
My pain’s past cure, another hell,
I may not in this torment dwell!
Now desperate I hate my life,
Lend me a halter or a knife;

All my griefs to this are jolly,
Naught so damn'd as melancholy.

Richard Burton, The Anatomy of Melancholy (1621).

Thursday, 16 April 2009

o fim da inocência, a escuridão do coração do homem/the end of innocence, the darkness of man's heart

[...] As lágrimas começavam a fluir e os soluços o abalavam. Ele entregou-se a eles agora pela primeira vez na ilha; grandes, estremecentes espasmos de mágoa que pareciam desconjuntar seu corpo todo. Sua voz se levantou debaixo da fumaça preta perante os restos chamejantes da ilha; e infectados por essa emoção, os outros garotos pequenos começaram a tremer e soluçar também. E no meio deles, com o corpo imundo, cabelo emaranhado e nariz escorrendo, Ralph chorava pelo fim da inocência, pela escuridão do coração do homem, e pela queda através do ar do verdadeiro, sábio amigo chamado Porquinho.



[...] The tears began to flow and sobs shook him. He gave himself up to them now for the first time on the island; great shuddering spasms of grief that seemed to wrench his whole body. His voice rose under the black smoke before the burning wreckage of the island; and infected by that emotion, the other little boys began to shake and sob too. And in the middle of them, with filthy body, matted hair, and unwiped nose, Ralph wept for the end of innocence, the darkness of man's heart, and the fall through the air of the true, wise friend called Piggy.



William Golding, Lord of the Flies [Senhor das Moscas]. 1954.

Sunday, 15 March 2009

Ainda/Still

Ainda

Demônios me agarram
Na escalada da montanha
São meus medos e apegos
Aflorando conforme subo
A conquista interna
Também é poder externo
Equilíbrio e estabilidade
Firmeza e correção
Dentro da tempestade de vento
Nada se enxerga
Porém forte o coração
Reside na meta
Depois do pico
Está a descida
E o vale do lado de lá
Infinito como Deus que sou.



Still

Devils hold me
On climbing the mountain
They're my fears and attachments
Emerging as I advance
The inner conquest
Is also outer power
Balance and stability
Firmness and correction
Inside the wind storm
Nothing is seen
Nevertheless strong the heart
Abides in the goal
After the peak
There is the descent
And the valley on the other side
Infinite as God that I am.

Thursday, 15 January 2009

dualidade e loucura/duality and madness

Qual a diferença entre o riso e o choro? Entre sentir-se bem e sentir-se mal? Essencialmente eles são duas faces da mesma coisa, exteriorização da sensações ou apenas sensações. Portanto pertencem ao nível dual ou plural da realidade, do mundo. Para passar ou ir além (ou melhor, aquém) dele, em direção à unidade de tudo, há que se encarar a solidão e a si próprio. Difícil e tedioso como parece, na verdade isso leva a um nível superabrangente mais profundo da realidade, não percebido pela maioria dos seres que rolam na loucura. Ah, mas a loucura não é bela? A liberdade verdadeira é a intenção e a meta.



What's the difference between laughing and crying? Between feeling good and feeling bad? Essentially they are two faces of the same thing, externalization of sensations or just sensations. So they belong to the dual or plural level of reality, of the world. In order to get past or beyond (or rather before) it, towards the unity of it all, one has to face loneliness and oneself. Harsh and tedious as this seems, this actually leads to the deeper all-encompassing level of reality, unperceived by the majority of beings who wallow in the madness. Ah, but isn't madness beautiful? True freedom is the aim.